E se falássemos de sofrimento de trabalho, de autoridade e autoritarismo...

Sentia-se como encurralado, esmagado simplesmente pela necessidade de continuar a viver.  
Ansiava pelo descanso de uma noite bem dormida, do sabor dos prazeres simples da vida, do entusiasmo proporcionado pela satisfação das tarefas acabadas. 
Os familiares e amigos falavam de esgotamento, o médico de família ousou a palavra depressão e a prescrição de uns antidepressivos que nem sequer chegou a comprar.
Tudo se tornava tão penoso, ir trabalhar era um calvário, em que se sofria passivamente os pequenos autoritarismos dos superiores e de alguns colegas, pequenos terroristas e oportunistas que se posicionam em profissionais exemplares, com opiniões e recomendações sobre qualquer assunto ou problema.
Tudo era constrangimento, enfado nas oito horas passadas a ouvir o ruído constante dos outros a maldizer, a falar altivamente das pessoas, do que tinham, do que queriam ter, do que iam fazer…
Despejavam na promiscuidade coletiva, as dimensões mais prosaicas do dia-a-dia, não descurando sequer, por vezes a dimensão íntima das entranhas.
Raramente se ouvia uma ideia, um pensamento inclusive dos “chefinhos” cujo trabalho consistia em bajular e em reportar os bons serviços prestados aos “chefinhos” do patamar superior para preservar o semblante de poder medíocre que as ligações pseudo-ocultas lhes tinha proporcionado, sem brio, sem glória só por ser filiado ou afilhado de alguém…
Brandiam o estatuto vazio, com pequenos autoritarismos ou profusões de protecionismo electivo, por não possuir a distinção e a autoridade que proporciona o reconhecimento das competências que nem sequer se preocupavam em possuir….

Tinha tido a oportunidade, em tempos, de trabalhar com um superior com autoridade, a quem todos reconheciam o direito de poder mandar, de dirigir, de orientar, de criticar, de desprezar os “chefinhos”. Foi banido para uma secretária nos confins de uma sala “open space”, quando um novo governo organizou a valsa dos chefões e dos chefinhos. Nova valsa viria conforme os ciclos eleitorais que mais do que escolhas constituíam meras reações ao descontentamento a uma sociedade que como ele não parecia ter rumo nem esperança…
Tal como ele, já não se sabia em que acreditar, para que ideais lutar, para além de uma desenfreada corrida aos prazeres do imediato confundido com a procura de felicidade individual da qual já nem se lembrava o sabor.
Automaticamente pegou na chávena do chá de jasmim, último reduto dos pequenos prazeres e sensações da qual ainda não tinha abdicado

Depois de uma manhã cinzenta, um raio de sol iluminou a secretária. 
Afastou-se das imagens embrutecedoras do computador e avistou, no jardim do edifício contíguo abandonado por anos de incúria, uma rosa a tentar desabrochar, abafada no entrelaçar do manto verde das ervas daninhas…
Uma sensação há muito esquecida ressurgiu, o chá tornou-se mas perfumado, o raio de sol como uma carícia abrilhantou novamente o alento para um novo dia e repeliu o marasmo em que se afundava, fazendo surgir a sensação de estar novamente disponível para o percurso dos dias.





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